...de montante para o presente

Os primórdios 

A importância histórica de Lisboa e da sua vocação marítima é atestada através dos mais variados vestígios encontrados em toda a área estuarina, remontando ao período Paleolítico; a sua localização estratégica levou à visita ou fixação de povos pré-romanos das mais diversas origens. 

A Fenícia, cultura essencialmente dedicada ao comércio marítimo, aproveitou as potencialidades de situação geográfica, clima, estabilidade dos fundos e navegabilidade deste porto de estuário e estabeleceu em Lisboa a sua colónia Alis ubbo. Embora existam vestígios de contactos muito anteriores, só no século III a.C. foi ocupada pelos Romanos, que a chamaram Felicitas Julia, nome que derivou para Olisipo. Tornou-se, assim, um município semelhante aos modelos de urbanismo mediterrânico, com comércio e indústria, como se verifica pelo significativo legado arqueológico que nos tem chegado. 

Às invasões bárbaras dos Suevos e Visigodos, que a chamaram Olisipona, seguiu-se a conquista da cidade pelos Mouros - por eles chamada Aschbouna - que permaneceram até ao século XII, valorizando-a e enriquecendo-a.  

Em 1147, D. Afonso Henriques reconquistou a cidade, auxiliado por movimentos de cruzados que, vindos de Inglaterra, interromperam a sua viagem rumo à Terra Santa, tornando-se uma força decisiva.  

Com o apoio de D. João I, terão os burgueses de Lisboa incrementado a navegação em busca de novos povos e novos comércios, aumentando, assim, a fronteira do mundo já conhecido e transformando-se o porto de Lisboa num ponto importante para todo o comércio global.  

Os métodos de navegação, tal como as embarcações, assistiram a desenvolvimentos que atraíram peritos de várias áreas – geografia, cartografia, astronomia, marinhagem – e que procuravam responder às novas necessidades de alcançar novas terras e outros povos com fins comerciais e de expansão da fé; os navios foram adquirindo maiores dimensões, foram sendo melhor apetrechados e com maior capacidade. 

Na Ribeira das Naus e nos Estaleiros navais, principalmente do Seixal e Barreiro, foram construídas carracas, urcas, caravelas, naus, galés, galeões que ancoravam, na época dos Descobrimentos, na praia do Restelo, e comerciavam mercadorias entradas e saídas de/para todo o mundo, numa intensidade própria da grande metrópole que chegou a deter o monopólio do comércio de especiarias, algodão, sabões, pérolas, rubis, chás... 

O porto de Lisboa foi-se adaptando, pouco a pouco, às necessidades económicas, agrícolas e industriais em desenvolvimento, como a vitivinícola e a salineira; as reentrâncias de águas fluviais foram sendo substituídas por terra firme, tornando-se cais para descarga da intensa mercadoria transportada por barcas, faluas, varinos, iates, galeotas reais… 

No campo da segurança e defesa da cidade, várias fortificações vieram complementar os castelos de Lisboa e Almada, principalmente a partir do século XV; na margem norte construíram-se, entre outras, a Torre do Bugio (S. Lourenço da Cabeça Seca), a de S. Julião da Barra, o Forte de Santo Amaro, de S. Bruno e na margem sul o forte da Fonte da Pipa, o fortim da Banática, Torre Velha, também entre outras que foram sendo construídas ao longo dos séculos. 

No século XVIII foi resolvido o problema da iluminação na barra de Lisboa com o melhoramento da iluminação do farol do Bugio e no século XIX foi construído o farol de Cacilhas. 

Ainda no século XVIII constata-se a necessidade de modernizar o Porto de Lisboa, surgindo, assim, neste século e no seguinte, projetos gerais para o melhoramento do Porto de Lisboa, como o do engenheiro húngaro Carlos Mardel, projeto esse concebido antes do terramoto de 1755.  

 

As grandes obras da 1.ª secção 

No entanto, é só em 1887 que são adjudicadas as obras que constituem a 1.ª secção do plano geral dos melhoramentos do Porto de Lisboa ao empreiteiro francês Pierre H. Hersent, após concurso que teve por base o projeto dos Engenheiros João Joaquim de Matos e Adolpho Loureiro, promulgado por Lei de 15 de julho de 1885, sendo inauguradas as grandes obras no Porto de Lisboa por D. Luís I, em 31 de Outubro de 1887, dia do seu aniversário. 

As obras, amplamente divulgadas pela Imprensa coeva, delinearam o porto de Lisboa moderno provendo-o de muros cais, rampas, taludes empedrados, docas de abrigo e de reparação de navios com as respetivas oficinas, de plano inclinado, de armazéns e de equipamento, condições que iriam ser melhoradas ao longo dos anos. 

Obras de construção do porto de Lisboa (c. 1890) - foto

O porto com Conselho de Administração 

Em 18 de abril de 1907 toma posse o primeiro Conselho de Administração do Porto de Lisboa - tendo como Presidente, José Adolfo de Mello e Sousa, Representante do Comércio, Fernando M. dos Anjos, Representante das Empresas de Navegação, Pedro Gomes da Silva, Representante das Companhias de Caminhos de Ferro, Conselheiro Manuel Francisco de Vargas - após a promulgação da Carta de Lei de 11 de março do mesmo ano, que autoriza o Governo a explorar o porto por conta própria, numa área de jurisdição que abrange 110 quilómetros das duas margens do Tejo e dez concelhos além do estuário, como definido no art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 36976, de 20 de julho de 1948.  

São introduzidos melhoramentos a todos os níveis, desde a abertura de novos arruamentos  e assentamento de linhas ferroviárias à construção de novos armazéns, indispensáveis ao funcionamento do porto com escala sempre crescente de mercadorias, criando-se três grandes entrepostos, o de Santa Apolónia, Santos e dos produtos coloniais, sendo proporcionada a iluminação adequada e a modernização da canalização exigida pelo abastecimento aos navios. 

Entreposto de Santos (1917) - foto

Com este primeiro Conselho de Administração foi notável, além das obras e melhoramentos descritos, o incremento do transporte marítimo de passageiros. 

Em 1908, o Conselho de Administração, após troca efetuada com o Município de Lisboa, toma posse do terreno no Cais do Sodré para construção da sua sede e escritórios centrais, e encarrega-se da modernização e embelezamento de toda a periferia, incluindo a ponte explorada pela Parceria dos Vapores Lisbonenses, local de entrada e saída de passageiros de paquetes fundeados no Tejo. 

Edifício Sede da AGPL no Cais do Sodré (sem data) - foto

Destacam-se algumas das mais importantes alterações: em 1912, a transformação da Doca de Alcântara e a construção do molhe oeste da Doca de Santos, após concurso público, (a cargo do empreiteiro espanhol José de Uribasterra), a substituição da ponte levadiça na Doca de  Alcântara pela ponte giratória, a construção do cais entre Santa Apolónia e Xabregas, da Doca do Poço do Bispo, da ponte cais da Matinha, a regularização da margem entre Xabregas e Cabo Ruivo, a colocação das colunas no Cais das Colunas. Em 1933 são instalados dois cais flutuantes na Ribeira, para serviço de passageiros e mercado de peixe.  

Construção da Doca de Alcântara (1915) - foto

Inauguração da ponte móvel da Rocha (1927) - foto

 

Quanto a edificações, salienta-se a construção de um frigorífico destinado a armazenagem e conservação de bacalhau no terrapleno da Doca de Alcântara, autorizada em 1937. 

Foram ampliadas e devidamente apetrechadas as oficinas de construção e reparação navais e construídas duas docas de reparação e três carreiras de lançamento para construção de grandes navios, a cargo da Sociedade de Construções e Reparações Navaes, empresa que sucedeu à Hersent; em 1936, em ata de 24 de novembro,  é aprovada a concessão da exploração do estaleiro naval da Administração Geral do Porto de Lisboa à Companhia União Fabril .  

Construção das carreiras de construção no estaleiro naval da Rocha (1917) - foto

Entre 1926 e 1930 é adquirido diverso equipamento marítimo, como barcas de água, batelões, uma draga, um pontão, rebocadores e material de guindagem. 

A partir de 1946, a modernização do porto acelera ainda mais. Com a publicação do Decreto-Lei n.º 35716, de 24 de junho de 1946 – Plano de melhoramentos do porto de Lisboa - inicia-se “um novo marco miliário na senda do progresso que este porto vem trilhando desde 1887” e novas grandes obras ou prossecução doutras são executadas. 

Destacam-se o cais acostável entre Xabregas e o Poço do Bispo e a conclusão da doca deste, a regularização da margem entre a Matinha e Cabo Ruivo e entre este e Beirolas, a Doca dos Olivais, a Doca de Pesca de Pedrouços, a ponte cais de Cabo Ruivo destinada à Soponata. 

Não podiam deixar de ser destacadas as Gares Marítimas, a da Rocha edificada no cais da Rocha, construído em finais do século XIX, e a de Alcântara, ambas da autoria de Pardal Monteiro, e ambas excelentemente decoradas com painéis de Almada Negreiros, os da Rocha com aspetos da vida do cais em dois trípticos e os de Alcântara a ilustrarem a vocação marítima do Portugueses em oito painéis a fresco. 

Gares Marítimas de Alcântara (1947) e da Rocha (1948) - foto

Institucionalmente, a EPL – Exploração do Porto de Lisboa, passou a denominar-se AGPL – Administração Geral do Porto de Lisboa; em 1987, pelo  Decreto-Lei n.º 309/87, de 7 de Agosto, Administração do Porto de Lisboa e em 1998 volta a mudar:  pelo Decreto-Lei n.º 336/98, de 13 de novembro, passa a denominar-se APL – Administração do Porto de Lisboa, S.A. e é transformada em “sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos”. 

Em 1970 o porto de Lisboa acompanha o ritmo de desenvolvimento dos outros portos no que diz respeito à contentorização e torna-se, até, o precursor na Península Ibérica ao dispor de um terminal com grua própria em Santa Apolónia. 

Terminal de Contentores de Santa Apolónia (1973) - foto

Em 1989 são expressos os novos objetivos para o porto de lisboa, no 1.º Plano Estratégico do Porto de Lisboa, e o Decreto-Lei n.º 324/94, de 30 de dezembro, “Aprova as bases gerais das concessões do serviço público de movimentação da cargas em áreas portuárias”. 

O início do novo milénio assiste à construção da Torre VTS, projetada pelo arquiteto Gonçalo Byrne, que abriga o Centro de Controlo de Tráfego Marítimo do Porto de Lisboa que gere  toda a navegação dentro da área de jurisdição do porto. 

Torre VTS (2003) - foto

Em 2008 entrou em funcionamento no Porto de Lisboa e conjuntamente  no porto de Leixões  e no porto de Sines, a primeira plataforma eletrónica de despacho de navios e mercadorias designada Plataforma Comum Portuária (PCom),  sendo a primeira versão da “Janela Única Portuária” e que foi  desenvolvida em estreita articulação com o sistema SDS da Direção Geral das Alfândegas (DGAIEC).  

Simultaneamente e no mesmo ano, iniciou-se o processo de alargamento desta plataforma JUP - Janela Única Portuária, a todos os portos nacionais e a outras entidades publicas e privadas, abrindo caminho, para a efetiva normalização, harmonização e simplificação de procedimentos, um instrumento essencial para eficiência coletiva do porto e da sua comunidade. 

A Janela Única Portuária tem a sua continuidade evolutiva na Janela Única Logística que está em fase de  implementação, para uma maior e melhor articulação entre todos os intervenientes na cadeia logística em que o transporte marítimo é apenas um dos elos. 

Tall Ships Race (2006) - foto

A realização de eventos desportivos incrementam a relação da cidade com o porto; a nossa ligação ao mar é visível nos eventos realizados pela Administração Portuária. São exemplares as regatas Tall Ships Race e a Volvo Ocean Race que projetam o Porto de Lisboa para dimensões internacionais. 

No passado, no presente e no futuro esteve e estará sempre presente a navegação de cruzeiro; desde 2017 o Porto de Lisboa dispõe de um novo terminal de cruzeiros da autoria do arquiteto Carrilho da Graça, com mais de 1100 metros de cais acostável.  

 

Chegada do paquete "Angola" vindo de Timor (1946) - foto

Novo terminal de Cruzeiros de Lisboa (2017) - foto

Constitui uma excelente porta de entrada na cidade que abraça o seu porto. 

Bibliografia: 

  • Maria Luísa B.H.Pinheiro Blot, Os portos na origem dos centros urbanos, Lisboa, 2003 
  • 100 anos do Porto de Lisboa, investigação histórica de António J.C.M. Nabais e Paulo O. Ramos, Lisboa, 1987 
  • J. Bacellar Bebiano, O porto de Lisboa: estudo de história económica, Lisboa, 1960 
  • Arnaldo Araújo Sousa, Le Port de Lisbonne, Lisbonne, 1926 
  • Nabais, António José M.C., Porto de Lisboa : subsídios para o estudo das obras, equipamentos e embarcações na perspectiva da arqueologia industrial,  Lisboa, 1985 
  • Relatório contas e elementos estatísticos do ano de 1946, Vol. I, Lisboa, 1947